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FORMAS ALTERNATIVAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO COMO COMPLIANCE CONSUMERISTA

14 de julho de 2021, 8h00

Por Flávia do Canto e Augusto Caye

 

Sabe-se que o processo judicial per se não implica efetivo acesso à Justiça [1]. Assim, alternative dispute resolutions (ADR) [2] vêm ganhando força e sendo implementadas e encorajadas nos mais diversos ordenamentos jurídicos: a mediação e a conciliação são incentivadas dentro dos sistemas legais internos, e a negociação hoje é valorizada e reconhecida dentro das universidades [3].

 

A adoção de formas alternativas de resolução de conflito traz maiores vantagens à empresa na medida em que impede a formação de um litígio judicial, mais custoso e demorado [4]. Além disso, são uma contribuição significativa na accountability, na transparência e na governança de uma organização empresarial em razão da reconciliação das partes (como na conciliação) e obtenção de um resultado rápido [5], e, portanto, interessam à adoção de um programa de compliance. Da mesma forma que também a adoção desse programa serve aos interesses de entidades que provenham essas formas alternativas de resolução de conflitos [6].

 

O compliance consumerista busca reduzir o número de sanções e a implementação de condutas de acordo com as normas consumeristas a serem implantadas pela empresa [7]. Essa área busca arrefecer riscos no que tange eventuais sanções administrativas e litígios judiciais, como também fortalecer o vínculo formado com o consumidor, fidelizando o público alvo ao formar uma relação de credibilidade [8]. As práticas abusivas devem ser eliminadas por interesse de todos os agentes econômicos: o Estado, os fornecedores e os consumidores. Assim, representa uma responsabilidade compartilhada entre todos os agentes pela criação de um mercado ético [9]. Ele se manifestará no agir da empresa no momento do atendimento, da oferta, na forma de realizar respostas para os órgãos fiscalizatórios como o Procon, na sua imagem pública, além de um bom atendimento ao consumidor por meio de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e ouvidoria.

 

No Brasil, a Política Nacional das Relações de Consumo e o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor formulam a base de uma estrutura que confere ao poder público a oportunidade de agir pela proteção do consumidor [10], o que se manifesta através de diversas entidades civis, promotorias e delegacias especializadas, entre outras. Faz parte dessa política a atribuição aos Procons e o exercício do poder de polícia administrativa, buscando a prevenção de violações contra o consumidor, a fiscalização dos atos e a punição de infratores econômicos, sendo notável que as condutas preventivas apresentam maior efetividade que as ações punitivas pecuniárias [11]. O próprio CDC traz em seu artigo 4º, inciso V, o incentivo à criação de formas eficientes de controle de qualidade e segurança, além de incentivos a resolução de conflitos por meios alternativos.

 

Observa-se que a massiva quantidade de ações ingressas nos Tribunais de Justiça versa sobre o Direito do Consumidor, dos quais apenas dez empresas concentram metade dos processos, a sua maioria bancos e telefônicas [12]. A maior parte das grandes empresas do mercado brasileiro possuem planos de compliance; estariam estas falhando em prever uma forma de compliance consumerista, acarretando no incremento de buscas de reparo por parte do consumidor no Poder Judiciário?

 

Em análise dos programas de integridade, manuais de regras, procedimentos e controles internos de grandes empresas que realizam o comércio business to consumer (B2C), se verificou que nenhuma trouxe qualquer previsão sobre como deve realizar o tratamento junto ao consumidor, apesar de ter extenso regramento sobre comportamento em combate à corrupção, fraude e lavagem de dinheiro [13]. Já em outros países, por exemplo, a adaptação ao compliance consumerista é ofertada como serviço por empresas de auditoria como a KPMG [14] e a PwC [15] no mercado financeiro estadunidense.

 

Em um processo de sustentabilidade institucional, a ouvidoria, o compliance e a auditoria interna se transformam em instrumentos que, empregadas em conjunto, fomentam o desenvolvimento a longo prazo da instituição [16]. A auditoria interna realiza a avaliação da eficácia da gestão dos processos de governança adotados pela empresa, identificando vetores em desalinho; o compliance busca a gestão de riscos como os de sanções legais, financeiros, reputacionais, e providencia com a adoção de procedimentos que asseguram à organização sua conformidade com normas internas e externas, tudo visando a um agir não só legal, como também ético; e, por fim, a ouvidoria constitui uma protagonista como canal de comunicação direto e eficiente, mediando as relações entre os consumidores e organizações.

 

Quando todos os setores dentro de uma organização estão voltados ao consumidor e esse está no centro do negócio (customer centric), a tendência é a redução de reclamações nos órgãos de defesa dos consumidores e a sua fidelização.

 

Os fornecedores que adotam pequenas mudanças no processo de resposta as reclamações, naturalmente reduzem os processos judiciais e administrativos. E, acima de tudo, contribuem para a política nacional de relações de consumo [17].

 

 

[1] POZZATTI JUNIOR, Ademar; KENDRA, Veridiana. Do conflito ao consenso: a mediação e o seu papel de democratizar o direito. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, Santa Maria, v. 10, n. 2, p. 676-701, dez. 2015. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/19760>. Acesso em: 04 nov. 2019.

 

[2] Contra a arbitragem nas relações de consumo, destaca Flávia do Canto e Tatiana Squeff: "O consumidor, por sua vulnerabilidade fático-econômica, jurídica, técnica e informativa, ver-se-ia em discrepante desigualdade face ao fornecedor de produto ou de serviço, se fosse inserida no contrato de adesão, de maneira prévia, a previsão da arbitragem como forma obrigatória de solução de litígios. Inclusive, pontua-se que na reforma da Lei Arbitral promovida em 2015, vetou-se a inclusão no artigo 4º, §3, a qual trazia a permissão genérica para o uso desse procedimento em litígios em relações de consumo". Artigo publicado: https://www.conjur.com.br/2020-nov-18/garantias-consumo-limitacoes-uso-arbitragem-relacoes-consumo.

 

[3] SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Antônio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves (coords.). Negociação, mediação e arbitragem: curso básico para programas de graduação em Direito. São Paulo: Forense, 2012.

 

[4] LIMA, Juliana Barbosa de. As formas alternativas de resolução de conflitos no direito do consumidor: uma análise da efetividade do balcão do consumidor da Unijuí em Três Passos/RS. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Três Passos, 2016. Disponível em: <http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/handle/123456789/3695>. Acesso em: 05 abr. 2020.

 

[5] ÖZTÜRK, Emíne Nur. Alternative dispute resolution mechanisms and compliance in international financial institutional. 2019. Dissertação de mestrado (Master of Arts) – Escola de graduação de ciências sociais e econômicas de İhsan Doğramacı Bilkent University, Ankara, 2019. p. 20. Disponível em: <http://repository.bilkent.edu.tr/bitstream/handle/11693/52336/10280008.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 05 abr. 2020.

 

[6] INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE. Note to parties and arbitral tribunals on ICC Compliance. Paris, 2017. Disponível em: <https://iccwbo.org/content/uploads/sites/3/2017/11/note-to-parties-and-arbitral-tribunals-on-icc-compliance-english.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2019.

 

[7] CARPENA, Heloísa. O compliance consumerista e criação de um mercado ético e produtivo. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-ago-01/garantias-consumo-compliance-consumerista-criacao-mercado-etico-produtivo>. Acesso em: 15 abr. 2020.

 

[8] SIQUEIRA, Felipe de Poli de; MICHELETTO, Francieli. Compliance consumerista: uma relação de credibilidade entre a entidade corporativa e o consumidor. Revista de Direito, Globalização e Responsabilidade nas Relações de Consumo, Porto Alegre, v. 4, n. 2, p. 71-87, 2019.

 

[9] CARPENA, Heloísa. O compliance consumerista e criação de um mercado ético e produtivo. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-ago-01/garantias-consumo-compliance-consumerista-criacao-mercado-etico-produtivo>. Acesso em: 15 abr. 2020.

 

[10] LEAL, Leonardo José Peixoto; TASSIGNY, Mônica Mota. Política nacional das relações de consumo, sistema nacional de defesa e perfil do consumidor: consumo, educação e conscientização entre jovens consumidores em Fortaleza. In: DIREITO DO CONSUMIDOR: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, XXIII, 2014, João Pessoa. Anais [...]. Florianópolis: CONPEDI, 2014. p. 413-442.

 

[11] Sobre a efetividade das sanções administrativas e ausência de critérios objetivos na aplicação de multas pelos Procons: PEREIRA, Flávia do Canto. Proteção administrativa do consumidor; Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e a ausência de critérios uniformes para aplicação de multas / Flávia do Canto Pereira; Antônio Herman Benjamin, Cláudia Lima Marques, coordenação. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

 

[12] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Os maiores litigantes em ações consumeristas: mapeamento e proposições. Brasília, 2017. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2018/01/bd8f715ca9ae1f539cd2d15421e843e7.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2020.

 

[13] BRADESCO. Manual de regras, procedimentos e controles internos. Osasco, 2019. Disponível em: <https://www.bradescoasset.com.br/BRAM/static_files/portal/files/Governanca/Politicas%20BRAM/Manual_de_Regras_Procedimentos_e_Controles%20Internos.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2020.

 

[14] SEMANCO, Todd. Banking and consumer compliance. Pittsburgh, 2017. Disponível em: <https://advisory.kpmg.us/articles/2017/banking-consumer-compliance.html#>. Acesso em: 18 abr. 2020.

 

[15] PWC. Bank regulatory compliance services. Londres, 2020. Disponível em: <https://www.pwc.com/us/en/industries/financial-services/regulatory-services/bank-regulatory-compliance.html>. Acesso em: 18 abr. 2020.

 

[16] BARROSO FILHO, José. Ouvidoria, compliance e auditoria interna são órgãos complementares. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-out-09/barroso-filho-ouvidoria-compliance-auditoria-sao-complementares>. Acesso em: 26 abr. 2020.

 

Flávia do Canto é advogada, professora da Escola de Direito da PUC-RS, pós-doutoranda em Direito UFRGS, doutora em Direito pela PUCRS, e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização CNPq/UFRGS.

 

Augusto Caye é advogado e especialista em compliance pela PUCRS.

 

FONTE: Revista Consultor Jurídico, 14 de julho de 2021, 8h00

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